A CONTRARREVOLUÇÃO – Bernard E. Harcourt

…quais foram e mesmo atualmente são os meios que os governos ocidentais se utilizam para suprimir, pela raiz, a revolta cotidiana e as insurreições

Descrição

O livro não necessita de qualquer antecipação que frustre o encontro original de cada um com o texto. Senão o gesto de uma leitura carinhosa que mapeie, por diálogos abertos, os momentos que despertam aquela arte que Foucault chamava de “arte de inservidão voluntária, de uma indocibilidade reflexiva”.

 

Publicado em 2018, o estudo tem como perspectiva central refletir sobre os contornos das estratégias de governo forjadas desde táticas de contrainsurgência levadas a cabo nos Estados Unidos e que consequentemente servem de modelo aplicável aos diversos contextos mundiais. De modo direto, desdobra-se um novo paradigma de governo de populações nos EUA, ou seja, um modelo político da guerra de contrainsurgência lastreado por técnicas militares que comportam três eixos fundamentais: a obtenção total de informações; a erradicação da minoria ativa e a conquista da lealdade da população em geral. Harcourt procura descrever as ondas em que os próprios norte-americanos tornaram-se alvos das estratégias de contrainsurgência de seu próprio governo, que resultam como que num conjunto prático que estabiliza uma espécie de domínio em torno de uma lógica de guerra sem a presença de uma insurgência, insurreição ou revolução – a dita Contrarrevolução.

 

É apenas ao fim, que Bernard assume expressamente a crítica foucautiana para “não ser governando desta maneira”. Se há a eterna recorrência de novas formas de servidão é porque antes novas formas de resistência as acompanham. Somos efeitos da constante batalha em torno da nossa própria subjetividade, dos processos de subjetivações que nos atravessam. As resistências são interligadas às tecnologias de assujeitamento e, além de contrapoder às formas tirânicas de subjugação, são intensificadores que se opõem às tentativas de governar através do medo, do terror, da dominação absoluta. Quando uma nova forma de governar enraizada num paradigma militar de guerra contrarrevolucionária não cansa de demonstrar seus próprios métodos e estratégias para governar, nos mais diversos quadrantes, a resistência pela coragem de verdade deve ser incansável e contínua. Se falhamos simplesmente em reconhecer o lado sombrio da legalidade, como assevera Bernard, que não se menospreze o vigor das mobilizações que sabem viver o enigma da insurreição.

 

Augusto Jobim

 

 

Bernard E. Harcourt,  tendo já passado, como Professor Visitante, pelas Universidades de Harvard e Princeton, atualmente é Professor de Ciência Política na Columbia University de Nova York e Diretor do Center of Contemporary Critical Thought, sendo sem dúvida um dos maiores expoentes de sua área, em especial desde as interfaces da crítica social e política com os diferentes modos de governar em nossa sociedade punitiva e de vigilância. Também através da Initiative for a Just Society, sua militância sempre lidou com problemas sociais atuais por meio de compromissos práticos em litígios judiciais e políticas públicas.

 

Como autor, assina, dentre tantas outras obras, Exposed: Desire and Disobedience in the Digital Age (Harvard, 2015), The Illusion of Free Markets: Punishment and the Myth of Natural Order (Harvard, 2011) e Occupy: Three Inquiries in Disobedience com Michael Taussig e W.J.T. Mitchell (Chicago, 2013), sem esquecer os já amplamente difundidos Against Prediction: Profiling, Policing and Punishing in an Actuarial Age (Chicago 2007), Language of the Gun: Youth, Crime, and Public Policy (Chicago 2005) e Illusion of Order: The False Promise Of Broken Windows Policing (Harvard 2001). Mais recentemente, destaque ainda para o Critique & Praxis (Columbia, 2020) fruto dos seus Seminários na Columbia Law chamados Uprising 13/13.

 

Sua vida acadêmica, portanto, confunde-se com seu ativismo na causa dos direitos humanos. A própria carreira jurídica como advogado começou representando condenados no corredor da morte no Alabama, ofício que até hoje mantém pro bono. Lembrar o caso de Doyle Lee Hamm em que conseguiu barrar a segunda execução à pena de morte é algo entre a teratologia jurídica e o engajamento obstinado[1].

Bernard, ademais, é também um dos responsáveis pela edição das obras de Michel Foucault. Além dos Théories et Institutions Pénales (Seuil/Gallimard, 2015), Curso no Collége de France de 1971-1972, e La Société Punitive (Seuil/Gallimard, 2013), Curso no Collége de France de 1972-1973, é editor da nova edição La Pléiade de Surveiller et Punir das Obras Completas do autor (Gallimard, 2016). Cabe referir a coedição em francês e inglês dos Seminários foucaultianos Mal faire, dire vrai. Fonction de l´aveu en justice proferidos na Universitaires de Louvain em 1981 (Louvain/Chicago, 2014).

 

Atualmente, é directeur d´études na École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris. O público de pesquisadores, estudantes, ativistas certamente vai compartilhar a satisfação representada na nossa alegria em ver materializado um esforço transversal de resistência contra as práticas do poder punitivo, contingências comuns muito bem detalhadas e adaptáveis ao nosso contexto nacional, nas páginas deste livro que é a combinação exata do vigor na pesquisa acadêmica e a incitação prática de uma potência insurgente.

[1] Hamm foi condenado à pena de morte e durante o período no corredor da morte desenvolveu câncer linfático, o que tornou difícil o acesso venoso necessário para ministrar a “injeção letal”. Mesmo assim, após uma longa batalha judicial, a sentença foi executada pelo Estado do Alabama em 2018 e foi mal sucedida depois de quase três horas de tentativas de matá-lo. Após foi estabelecido um acordo confidencial que impede uma segunda tentativa de execução.

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Título do livro:

A CONTRARREVOLUÇÃO – Bernard E. Harcourt

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