Descrição
As Alas LGBTs nas prisões foram criadas com o objetivo de humanizar os sistemas penitenciários, e esse livro descreve com precisão os embates envolvidos na constituição desse novo espaço prisional. Num relato vivo e sensível apreendemos os nexos que conectam os movimentos LGBTQIA+, as políticas prisionais do Estado, os discursos sobre violência policial, o tráfico de drogas e os territórios de prostituição. Ancorado numa imersão prolongada e audaciosa no cotidiano da prisão, o cenário descrito mostra o que pensam, dizem e fazem os presos e os agentes penitenciários, descortinando relacionamentos amorosos, conflitos violentos, mas também acordos e negociações. A riqueza da análise antropológica empreendida fornece um quadro que vai muito além do retrato de um contexto prisional local e restrito. É antes um espaço privilegiado para a reflexão sobre como gênero e Estado são mutuamente produzidos e se emaranham no mundo do crime. A diversidade de aspectos abordados lança, com perspicácia, uma nova luz à complexidade do que tem sido considerado a crise do sistema prisional.
O livro de Vanessa Sander é um verdadeiro primor. Poucas vezes li algo tão bem estruturado do ponto de vista teórico e analítico. Trata-se de um texto envolvente, que apresenta distintas histórias que remetem ao cotidiano de pessoas presas. A escrita leve nos guia, inicialmente, pelas vivências das travestis e transexuais, problematizando como o determinismo biológico ainda norteia a maneira pela qual a sociedade e, sobretudo, as agências estatais percebem, interagem e administram mulheres cuja feminilidade é definida como precária.
Somos levadas a viajar nas tramas de discriminação e afeto que entremeiam os espaços ocupados pelas travestis e transexuais (ou a elas relegados): as ruas, as cadeiras do sistema de justiça e, depois, as celas do sistema prisional. Introduzidas na riqueza do pajubá, aprendemos um dialeto que atua como elemento de demarcação do grupo, mostrando como são construídas as fronteiras entre as “estabelecidas” e as “excluídas”.
Por fim, voltamos à análise da masculinidade que forja novos entendimentos sobre o que seria crime organizado e desorganizado e como a correspondência (ou não) entre sexo e gênero cria “criminosos” mais (ou menos) críveis. A cada página, ficamos ávidas pela próxima cena, que consegue ser mais tocante, delicada e, ao mesmo tempo, sociologicamente profunda. É impossível passar incólume a essa obra: separe um lenço, pois algumas cenas são extremamente dolorosas. Separe também um xarope, porque com toda certeza sairá da garganta um forte grito de justiça e solidariedade por essas mulheres.
Ludmila Ribeiro, Professora associada do Departamento de Sociologia, Pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública – Universidade Federal de Minas Gerais.